De onde vem o sucesso de "Casados à Primeira Vista"?

A quinta temporada de Casados à Primeira Vista bateu recordes de audiência; o último episódio teve direito a um casamento em direto; e foi lançado um spin-off chamado Segundas Núpcias. Ele há coisas… E se vos disser que, apesar de ser espectadora do formato, a única coisa a que assisti, no que diz respeito a esta edição, foi aos episódios do Extremamente Desagradável (#prayforjoanamarques)? Eu sei, eu sei, um choque. Mas o que proponho hoje é um exercício de reflexão sobre o formato (grandes questões que trago para cima da mesa) e para o efeito estou totalmente habilitada.
Como boa hipster de reality TV, sou do tempo em que a SIC Mulher passou a primeira temporada de Married at First Sight Australia, uma das versões mais populares — para aí há 10 anos, diria eu. Entusiasmada com esta minha descoberta, lembro-me de dizer aos meus pacientíssimos amigos: “Não vais acreditar. Os gajos casam-se mesmo. Com pessoas que nunca viram, escolhidas por pessoas que não conhecem!”. Dez anos depois, inúmeras temporadas e uma adaptação portuguesa volvida, eis o que se me oferece dizer.
Falando do formato propriamente dito, peço antecipadamente desculpa pela linguagem, mas parece-me ser este o termo que se impõe: avacalharam a coisa. A primeira temporada da versão australiana tem seis episódios, SEIS. A mais recente, pelo que vi no IMDB, tem quarenta. QUARENTA. Os “noivos” das primeiras temporadas do MAFS Australia (como é carinhosamente apelidado de pelos fãs) pareciam querer mesmo casar e os “especialistas” pareciam mesmo querer encontrar-lhes um parceiro à medida, o que partia do pressuposto que, no mínimo, os escolhidos eram seres humanos decentes.
Toda a gente já se apaixonou e foram muitas, não foram poucas — bastantes vezes até — pela pessoa errada. Na verdade, é esse o segredo deste tipo de formatos. Quem é que no seu sofá, nunca mandou um “Se fosse comigo, eu…” e muitas vezes foi? Como se permitisse ao espectador dar a resposta que devia ter dado àquela criatura do passado que em tempos sugeriu que estava na hora de ir para o ginásio, porque a gravidade não perdoa.
Não vi todas as temporadas, mas nas mais recentes — a que assisti — o casting era um autêntico saco de gatos e gatas que demonstrava por A mais B o quão tóxicas as pessoas conseguem ser quando estão numa relação. Não é que isso não seja um retrato da piscina relacional dos dias de hoje ou de todo o sempre, com a diferença que como os papéis de género eram absolutamente desiguais, portanto, até a toxicidade é um direito conquistado. Pode ser uma afirmação polémica, mas acho difícil de contestar, quando o objetivo central da vida de uma mulher era não ficar para tia. Portanto, por muito que isto resulte numa auto-declarada experiência social, falha redondamente o propósito: ajudar os solteiros a alcançar uma relação amorosa feliz, saudável e recíproca.
Já a adaptação portuguesa, foi direito ao osso. Se é drama que o povo quer, é drama que o povo vai ter. A suspensão da descrença — que é como quem diz, algum resquício fé que o espectador mais romântico tenha que aquela gente se vai entender alguma vez na vida — não sobrevive ao copo de água, salvo raríssimas exceções. Para ser mais exata, ao longo das cinco temporadas portuguesas, 36 casais fizerem juras na saúde e na doença e apenas 5 não eutanasiaram o casamento ainda com as câmaras ligadas. Não são boas estatísticas. Mas será que a coisa mudava de figura com uma chicotada psicológica, mantendo a analogia no futebol, ou a culpa não é da equipa técnica, mas sim dos jogadores em campo? Ou das regras do jogo? Para ser totalmente sincera, acho que a resposta é: todas as respostas acima mencionadas.

FOTOILUSTRAÇÃO RODRIGO MENDES/OBSERVADOR
Há gente que vai pela fama e está tão emocionalmente disponível como uma suricata viúva. Sabiam que as suricatas são tão monogâmicas que se enviuvarem e lhes tentarem impingir outro parceiro/a, limpam-lhes o sarampo? Não sei se isto é verdade ou mito, mas uma vez um rapaz com chapéu de biólogo disse-me isto numa quinta biológica e eu escolhi acreditar. Também há gente que entrega a outrem a escolha do/a parceiro/a, porque tendo em conta o currículo não estão aptas para o fazer, e depois se a criatura tem menos três centímetros do que era desejado ou não cabe num M da Zara (que na verdade é um XS) é um ai, Jesus e assim já não brinco. Haverá ainda pessoas que estão verdadeiramente investidas e tratam o programa como uma verdadeira experiência social, como terá sido concebido, e não uma manilha de trunfo do Daniel Oliveira para pôr a Cristina Ferreira no lugar das estacas outra vez, que é o que é. E também é preciso que lhes calhe na rifa alguém que esteja para aí virado.
Segundo a PORDATA… Se eu fosse jornalista, tinha um parágrafo a começar assim nos meus artigos todos. Acho sofisticado e credível, duas coisas que não sou. Nem jornalista, ao contrário do que vão dizer sempre para as caixas de comentários. Tenho várias carteiras, nenhuma delas é profissional e algumas até são de gosto bem duvidoso. Mas onde é que eu ia? Estão a ver porque é que eu não podia ser jornalista? Segundo a PORDATA, a probabilidade de divórcio em Portugal ronda os 33%. Parece-vos muito? Parece-vos pouco? A mim, que já ultrapassei a longevidade média dos casamentos que terminam em divórcio — 18 anos — parece-me imenso. Isto quer dizer que um em cada três casais acabam a não poder nem sentir o cheiro das feromonas que um dia escolheram como ambientador para a vida. Mesmo assim, nós que escolhemos a via tradicional e assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas, ainda estamos a dar uma abada aos casais da SIC que têm uma taxa de sucesso de 14%.
A Diana Chaves, apesar de ser linda de cair para o parquet flutuante, não cria distância. É simpática, soa genuína e parece não julgar os casais, mesmo que estejam a cavar um buraco de proporções homéricas de onde não vão conseguir sair, nem com ajuda da Proteção Civil. E de quando em vez, a expressão dela representa-nos a nós, os que estão no dito sofá, encolerizados.
Questão final, fraturante, para levar para a terapia, para incluir nos censos (exagerada é o meu nome do meio): o que é que as pessoas gostam mais de ver? O “viveram felizes para sempre” ou uma noiva que desmaia quando vê o noivo? Recém-casados a atirarem-se à traqueia um do outro que nem cães-patrulha no Boom e um ou outro adultério, ainda a aliança não se ambientou ao dedo? Já que estamos numa de percentagens, inclino-me para um 30%-70%, mas este não é um número da PORDATA, é o chamado suponhamos (ler com a sílaba tónica errada). Nem que seja porque deve haver muito boa gente a ver e a pensar “afinal, não estamos assim tão mal” ou “então, não estou bem solteiro/a?”.
Talvez isso explique o quão abrangente parece ser o público — neste momento, arrisco-me a dizer, bem mais do que um Big Brother da vida. Porque nem toda a gente se imagina fechado numa casa 24 sobre 24, mas, generalizando, toda a gente já se apaixonou e foram muitas, não foram poucas — bastantes vezes até — pela pessoa errada. Na verdade, é esse o segredo deste tipo de formatos. Quem é que no seu sofá, nunca mandou um “Se fosse comigo, eu…” e muitas vezes foi? Como se permitisse ao espectador dar a resposta que devia ter dado àquela criatura do passado que em tempos sugeriu que estava na hora de ir para o ginásio, porque a gravidade não perdoa.
Como em 90% das adaptações, o Casados… português é muito mais longo, tem diários que repetem as VTs ad nauseum, e inclui apresentadora, ao contrário do formato original. E parece-me que uma coisa está intrinsecamente ligada à outra. Porque é muito mais fácil encher chouriços com uma apresentadora, ainda para mais se ela for uma figura tão consensualmente simpática como a Diana Chaves. A Diana Chaves, apesar de ser linda de cair para o parquet flutuante, não cria distância. É simpática, soa genuína e parece não julgar os casais, mesmo que estejam a cavar um buraco de proporções homéricas de onde não vão conseguir sair, nem com ajuda da Proteção Civil. E de quando em vez, a expressão dela representa-nos a nós, os que estão no dito sofá, encolerizados, a berrar a plenos pulmões: “Já tinhas levado uns patins…”. Sim, eu uso expressões de avó, acho que já tínhamos estabelecido isso.

FOTOILUSTRAÇÃO RODRIGO MENDES/OBSERVADOR
Curiosamente, ao contrário da derbyzação dos últimos Big Brother, Casa dos Segredos e formatos híbridos que inventam em Queluz, a opinião por norma é unânime: os vilões são vilanizados em igual medida, independentemente de idade, género ou classe social. Os casais fofinhos (pouquíssimos, em abono de verdade) são acarinhados por quase todos e umas personagens meio chalupas que adoramos odiar viram punchline de forma transversal. A TVI ganha mais dinheiro com as teams e o fanatismo pelos concorrentes e, tendo em conta a crise dos anunciantes na televisão, isso não é um argumento de somenos importância.
O que é certo é que no mesmo dia que o Luís Gonçalves (que pôs meio mundo a insultar o outro meio no X) ganhou o BB24 e 100.000 euros, a season finale do Casados… venceu a batalha das audiências, o que é histórico. Nunca uma final do maior reality show do mundo tinha ficado em primeiro lugar dos últimos. Sempre disse e não será a última vez que digo, que o segredo para estes programas é simples: casting. O Casados à Primeira Vista não foge à regra, com um pequeno twist: quanto mais longe ficam do perfil do candidato ideal, mais posts a SIC consegue publicar a fazer ciúmes à TVI. Acho tóxico, deviam fazer terapia de casal.
observador